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O legado de Barbara Chilcott

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1956, Nova Iorque, Broadway. A cena abaixo no Winter Garden Theatre trazia um elenco diverso com uma grande do teatro canadense. A produção de Tyrone Guthrie (1900 -1971) trazia a peça de Christopher Marlowe, Tamburlaine, o Grande (1587). A atriz Bárbara Chilcott contracenava ao lado do britânico Anthony Quayle (1913-1989), que interpretava o papel título (segurando sua mão) e William Shatner com então 25 anos. Mais atrás William Hutt (1920-2007) e seu irmão, Donald Davis (1928-1998). A canadense interpretava Zenócrate, a futura esposa do conquistador, uma personagem que vai se desenvolvendo, de obediente e astuta, para resistente e extravagante, a forte e amorosa ao longo dos atos da peça.

Barbara Chilcott nos deixou no início do ano, dia 1º de janeiro. Sua vida se assemelha em muito a essa personagem de Marlowe e é assim que homenageamos a sua força motriz.

Obediente e astuta

Nascida em 1922, em Ontário (Canadá), Barbara Chilcott, a mais velha dos quatro filhos de Dorothy Watts (nascida Chilcott), professora de elocução e dança, e Elihu James Davis Jr., um dos proprietários da Davis Leather Company. Os Davis eram leais ao Império Unido de ascendência galesa, enquanto os Chilcotts eram imigrantes britânicos de primeira geração de origem cigana que primeiro viveram em um acampamento à beira do lago de Toronto. Barbara tinha orgulho de suas raízes, mas se lembraria de como seus parentes suportaram o racismo na Toronto predominantemente branca da época.

Começou sua carreira em 1943 como membro da Unidade de Entretenimento de Serviços Auxiliares Canadenses durante a Segunda Guerra Mundial e viajou pela Inglaterra e Europa entretendo tropas. Após o fim da guerra, ficou na Inglaterra e estudou na Royal Central School of Speech and Drama antes de fazer sua estreia no teatro em 1949.

Segundo seu biógrafo: “Barbara estava determinada a ser atriz, então partiu para Londres porque, na época, não havia teatro profissional [no Canadá] e ela foi a primeira canadense a estrelar no West End”. Na Inglaterra, sua aparência surpreendentemente exótica e a intensidade de seu estilo de atuação fizeram com que fosse estigmatizada, o que até certo ponto continuou a ser ao longo de sua carreira.

“Eu estava sempre sendo marginalizada por causa da minha aparência”, ela disse ao colega ator RH Thomson em uma entrevista em vídeo de 2011 para o Theatre Museum Canada. Não sendo a pálida “rosa inglesa” em demanda na época, era frequentemente rotulada com personagens latinos “exóticos” ou mesmo africanos.

Os irmãos mais novos de Chilcott, Murray e Donald Davis, também começaram a atuar e eventualmente a atraíram de volta ao Canadá para fazer parte de seus projetos teatrais.

Retornando ao Canadá em 1950, rapidamente se estabeleceu como uma das principais atrizes do país. Chegou na CBC Radio e se envolveu com o crescente movimento do teatro de verão, juntando-se a seus irmãos para se apresentarem no Canadian Repertory Theatre em Ottawa.

Em 1953, os irmãos Davis fundaram o Crest Theatre. Para o Crest, que durante suas 13 temporadas deu uma contribuição vital para o teatro em Toronto e empregou o melhor talento canadense, interpretou papéis como Viola em Décima Segunda Noite, Antígona em Antígona e seu papel favorito, Cleópatra em Antônio e Cleópatra.

Foi fundamental para convencer o diretor britânico Tyrone Guthrie (1900-1971), que ajudou a estabelecer o primeiro Festival de Stratford em 1953, a vir para o Canadá. Ali, interpretou Kate em The Taming of the Shrew (1953), Juliet em Measure for Measure (1954) e Portia em Julius Caesar (1955).

 

Resistente e extravagante

Era uma intérprete modesta mas, durante sua carreira, teve contato direto com muitos dos principais atores da cena artística e do entretenimento, incluindo JB Priestley, os Beatles, o guru Maharishi Mahesh Yogi e Sean Connery.

“Barbara tinha uma ótima risada e um senso de humor cruel e, embora fosse uma pessoa extremamente reservada, adorava fazer parte de uma companhia [de teatro] mais do que qualquer coisa”, segundo seu biográfo. “O show era mais real para ela do que qualquer outra coisa no mundo e eu acho que nos últimos anos, quando não estava mais em cena, a vida era bastante monótona para ela.”

Nesse período, passou passou vários anos indo e voltando entre a Inglaterra e o Canadá, atuando no palco, na televisão e no cinema nos dois países.

Chilcott frequentemente atuava nas peças televisionadas que eram um marco na TV dos anos 1950, tanto no Canadá quanto na Grã-Bretanha. Assim foi em General Motors Presents (1954-1959), BBC Sunday-Night Theatre (1957) e Festival (!962-1967); The Invisible Man (1958),  McQueen (1969), Além da Imaginação (1988) entre outras, como convidada especial.

E no cinema, interpretou poucos papéis, sendo o mais conhecido o da espôsa de um comerciante em A morte ronda na Floresta (1966) que vende a jovem Eve (Rita Tushingham) para o caçador de peles franco-canadense, Jean La Bete (Oliver Reed). E no terror da Hammer, Trágica Mentira (1960) fez uma baronesa negra, uma escolha estranha para o elenco, mas típica da época.

Após o fim do Crest em 1966, a atriz teve problemas para encontrar trabalho no teatro. Após problemas com drogas, encontrou seu segundo marido, o compositor Harry Somers, famoso por Louis Riel. Anteriormente foi casada, em 1952, com o ator australiano Max Helpmann, mas viveram separados por anos e se divorciou para se casar com Somers.

Forte e amorosa

Recomeçou a partir da década de 1970. Estrelando em palcos em todo o Canadá, do Neptune Theatre de Halifax ao Theatre Calgary, e apareceu em filmes – notavelmente o vencedor do Globo de Ouro de 1975, Lembranças de Minha Infância (Lies My Father Told Me). Finalmente retornou a Stratford em 1981 e de lá trabalhou em muitos projetos até a idade de 89 anos, onde fez sua última atuação.

Também trabalhou em muitos projetos com seu marido, o compositor Harry Somers, que morreu em 1999. Não teve filhos, permaneceu em sua própria casa até os últimos sete meses de sua vida, quando um casal de cuidadores gentilmente a mudou para seu condomínio. Ela morreu pacificamente em seu sono

“Ela era o tipo de atriz que não precisava que lhe dissessem o que fazer, ela simplesmente sabia como fazer. Ela podia dizer mais com uma sobrancelha levantada do que a maioria das atrizes poderia com um discurso inteiro”, como tratou um de seus últimos diretores, William Scoular.

Descanse em paz.

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