As expectativas acerca de “Napoleão” de Ridley Scott são bastante justificadas. Não apenas é a trajetória de um dos maiores estrategistas da história da humanidade, interpretado por um dos atores mais aclamados da atualidade. É também o retorno do cineasta, também do primeiro escalão, que ergueu recentemente um épico de primeira grandeza, “O Último Duelo”, quando se acreditava que seu brilhantismo com a lente já havia se esvaído. Assistir a um filme de Scott, sobretudo com pretensões megalômanas e um orçamento inflado, não nos deixa esquecer de obras indeléveis como “Alien: O Oitavo Passageiro”, “Blade Runner” e o oscarizado “Gladiador”. Também é impossível dissociar este do filme sobre o imperador francês que sairia das câmeras de Stanley Kubrick, um dos projetos inacabados que mais geraram interesse nos cinéfilos.
O filme captura a jornada incansável de Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix) ao poder através do prisma de seu relacionamento volátil e viciante com seu único amor verdadeiro, Josephine (Vanessa Kirby), focando em suas táticas militares e políticas visionárias, alternadas com o lado humano e fragilizado.
Scott demonstra seu poderio fílmico ao dirigir grandes cenas de batalha. Com a exceção de uma, que se passa no período da noite, prejudicada com uma fotografia escura, todas são majestosas. É como se o cineasta estivesse dando uma piscadela para Kubrick no andar de cima, realizando as sequências com a excelência técnica e o perfeccionismo que indubitavelmente teriam caso o diretor falecido em 1999 finalizasse seu projeto.
Além dos históricos combates liderados por Napoleão reproduzidos de forma prática, com o CGI presente apenas para compor detalhes, a direção de arte segue a opulência que já se esperava em se tratando de um filme que se propõe a narrar a história do general. A fotografia de Dariusz Wolski, que vem sendo um colaborador frequente de Scott, em diversos momentos utiliza a fotografia apoiada em iluminação com luz de vela pretendida por Kubrick (que acabou sendo usada em Barry Lyndon, filme para o qual reverteu os recursos de seu Napoleão). É um trabalho competente, buscando emular pinturas do período em que se passa a trama, algo recorrente em biografias históricas.
No entanto, o longa tem sua grandiosidade eclipsada pelo que acaba sendo a maior vulnerabilidade: a construção dos dramas pessoais do protagonista. Se a intenção de Scott era mostrar o ser humano por trás do mito, foi uma uma oportunidade desperdiçada. Ainda mais tendo um ator do calibre de Phoenix. A construção do personagem no roteiro de David Scarpa (“O Homem do Castelo Alto”) beira o simplismo, o que acaba esvaziando também seus feitos na parte épica do filme. As camadas do personagem são introduzidas nos fazendo crer que haverá um aprofundamento e um trabalho desconcertante com a matéria em mãos. E o que se vê é uma visão por vezes até caricata do biografado, como se o intuito de desconstruí-lo tropeçasse na paródia involuntária.
Mas ainda assim quando se tem Joaquin Phoenix defendendo um papel, por mais que haja equívocos no roteiro e mesmo na direção, a produção está a salvo do desastre. O ator entende as falhas da construção do script e ele mesmo imprime muito da complexidade devida em diversos momentos, e que certamente o diretor não compreendeu a princípio, mas captou o recado e tratou de rever todo o foco da câmera. E mesmo quando não era possível salvar o que estava nas páginas do roteiro, Phoenix evita a dissonância do tom. Sua parceria com Vanessa Kirby, inquestionavelmente um dos grandes trunfos do filme, consegue gerar o mínimo de empatia que era necessária para que esse lado da trama funcionasse a contento.
“Napoleão” deverá ser lembrado pela sua excelência técnica e pelo belo trabalho de Phoenix. Talvez seja pouco para um filme que se divulgou tão bem e tinha grandes ambições. Já Ridley Scott ganha mais um título para reforçar a opinião dos que acreditam que se tornou um cineasta irregular. Foi por pouco, mas perdeu a oportunidade de provar o contrário.
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