Em Les confines du monde (2018), o diretor francês Guillaume Nicloux apresenta a história de um soldado francês que busca vingar o assassinato de seu irmão e sua cunhada entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da Indochina.
As tropas japonesas ocuparam vários locais na Ásia durante a Segunda Guerra Mundial. Derrotados, os regimentos do Império do Sol Nascente se retiraram, mas não antes de causar alguns desastres. No Vietnã, eles massacraram milhares de franceses. O filme começa numa vala comum, apinhada de dezenas de corpos ensanguentados, de onde emerge um único sobrevivente que, gravemente ferido, consegue escapar. Este é Robert Tesson (Gaspard Ulliel), um soldado francês que testemunhou o horror perpetrado pelos japoneses. Segundo seu relato, viu amigos e parentes serem mortos e torturados. Os vietnamitas, que acabaram vencendo os japoneses, nada fizeram para impedir, apenas observaram, permitiram que acontecesse.
Tesson é encontrado na selva por uma garota que o resgata. Eles o levam para uma cabana onde ele é curado e alimentado. Depois de um mês, ele está pronto para se vingar. Ele retorna à cidade e se alista novamente no exército francês, apesar de ter a oportunidade de retornar. A sua obsessão tem nome: Bo Vinh é o general vietnamita que permitiu o horror que teve de viver.
Nicloux apresenta um personagem traumatizado, vazio por dentro, cuja única compulsão é caçar o responsável por sua dor. Até que conhece Mai (Lang Khe Tran), uma prostituta muito jovem por quem se apaixona, ou melhor, por quem também se torna obcecado. Na tensão entre as duas forças que afetam Tesson, amor e vingança, o filme se passa.
Os Confins do Mundo está em um universo similar a grandes clássicos do cinema bélico como Apocalypsis Now (1979) e Platoon (1986). As cenas desenvolvidas trazem muito dess similaridade. A selva vietnamita é uma perigosa fábrica de horrores, de onde saem corpos mutilados e decepados, mas também onde se pode encontrar um certo abrigo, como aquele que permitiu a sobrevivência de Tesson. Outro elemento é a evolução típica de um pesadelo, ou pelo menos de uma experiência onírica, que adquire a passagem das personagens pelos corredores que se abrem entre a lama e a floresta muito densa. E por fim, o horror no centro de tudo e um olhar que pode ser culpado. A primeira ideia do colonizador sempre parece ser a de que o outro é um selvagem, o que explicaria seu comportamento. Mas, de forma perturbadora, parece crescer a noção de que esse outro nada mais é do que um ser civilizado à imagem e semelhança de seus conquistadores, daqueles que querem oprimi-lo e, no processo, de alguma forma, moldá-lo.
Mas não é um filme de guerra, propriamente dito, só pelo contexto geopolítico, é mais um drama que trabalha em uma escala menor, a do luto pessoal, de uma dor profunda que te faz definhar. E Ulliel e Gérard Depardieu estão muito bem em seus papéis, que traz, no fim, que o tempo remedia qualquer dor.
Homenagem Póstuma: Gaspard Ulliel (1984-2022)
O francês Gaspard Ulliel, morreu após um acidente de esqui nos Alpes franceses em 19 de janeiro desse ano. Ele tinha 37 anos. O ator estava esquiando na região de Savoie quando colidiu com outro esquiador e no qual não estava usando capacete, sofreu um grave trauma cerebral no dia anterior, logo transportado de helicóptero para um hospital em Grenoble.
Com um currículo de 50 filmes e séries, Ulliel ficou conhecido por interpretar o jovem Hannibal Lecter em Hannibal, a origem do mal (2007) e o estilista Yves Saint Laurent em Saint Laurent, premiado com o Lumière 2014.E foi um ator aclamado em seu país natal, tendo ganho o Prêmio César, o equivalente francês ao Oscar, por seu papel como um dramaturgo gay moribundo em É Apenas o Fim do Mundo (2016), ao lado de Marion Cotillard, Léa Seydoux e Vicente Cassel.
Entre seus outros créditos estava uma aparição no Marais de Gus Van Sant do filme antológico Paris, je t’aime (2006), e na série do Universo Marvel, Cavaleiro da Lua, como Anton Mogart, o criminoso Homem da Meia Noite.
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